O acesso à justiça é encarado como um dos direitos fundamentais do homem. A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 traz o acesso à justiça como direito e garantia fundamental. Hodiernamente existe uma dificuldade no que se refere à efetividade desse acesso. A forma tradicional de se buscar a justiça, por meio do Poder Judiciário, é morosa, custosa e muitas vezes não trata o conflito de uma forma adequada. Por tais motivos é necessário a consolidação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos. Por isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução Nº 125, de 29 de novembro de 2010, onde é instituída no Brasil uma política judiciária de tratamento adequado dos conflitos. Esse tratamento adequado é encontrado na mediação. A mediação é uma forma autocompositiva e não adversarial de resolução de conflitos onde um terceiro imparcial conduz às partes para que estas consigam encontrar por si mesmas uma solução ao seu conflito. Com base nos princípios e características da mediação, percebe-se que esta poderá servir como instrumento de alcançar o acesso à justiça e garantir este direito fundamental do homem. Neste cenário se insere o presente trabalho. Partindo de considerações acerca do ordenamento jurídico e do acesso à justiça, o trabalho adentra na atual crise vivida pelo Poder Judiciário e traz uma ferramenta que poderá auxiliar no enfrentamento desta crise, a mediação. Ao final busca-se estabelecer uma relação entre a mediação e o acesso à justiça. O método de investigação utilizado foi o indutivo e as técnicas foram as de pesquisa bibliográfica e fichamento.
Palavras-Chave: Mediação. Acesso à Justiça. Ordenamento. Conflito.
Abstract
The access to justice is looked upon as one of man's fundamental rights. The Federative Republic of Brazil’s constitution of 1988 brings the justice access as a fundamental right and guarantee. Currently there is a difficulty when it comes to the effectiveness of this access. The traditional way to seek justice, through the judiciary power, it’s too slow, costly and often does not treat the conflict in an appropriate way. For these reasons it is necessary to consolidate alternative mechanisms of conflict resolution. Therefore, the National Council of Justice (CNJ) create the Resolution number 125 of November 29, 2010, which established in Brazil a judicial policy of proper handling of conflicts. That appropriate treatment is found in mediation. Mediation is an self-composition and non-adversarial form of conflict resolution in which an impartial person leads the parts to make them able to find themselves a solution to their conflict. Based on the principles and characteristics of mediation it’s possible to see that this can serve as an instrument to achieve the justice access and guarantee this fundamental human right. In this scenario fits this work. Starting from considerations of the legal order and the justice access, the work enters on the current crisis experienced by the judiciary power and provides a tool that can help facing this crisis, the mediation. At the end, there’s an attempt to establish a relationship between mediation and justice access. The research method used was the inductive and the techniques were the bibliographic research and book report.
Keywords: Mediation. Justice Access. Legal Order. Conflict.
IINTRODUÇÃO
Práticas envolvendo a mediação não são tão recentes na história da humanidade. Sua concepção sofreu alterações e sofisticações ao longo do tempo, mas, no aspecto prático, a mediação tem longa data, remontando às culturas chinesas (merece destaque a figura do pensador chinês Confúcio), japonesas e africanas[1].
A mediação pode ser conceituada como um método dialogal de solução de conflitos, onde os mediandos (pessoas envoltas no conflito) elegem ou aceitam um mediador (terceiro alheio ao conflito) imparcial e apto a conduzir o conflito e facilitar o diálogo, fazendo com que os mediados migrem de posições antagônicas para a identificação de interesses e necessidades comuns, bem como para o entendimento sobre alternativas consistentes, de tal modo que, havendo um consenso, seja realizado um acordo para resolver o conflito. As partes não atuam como adversárias, mas sim como corresponsáveis pela solução da disputa. Contarão com a colaboração do mediador para que seja possível estabelecer uma comunicação construtiva e capaz de identificar os interesses e necessidades comuns.[2] Poderá ocorrer tanto no âmbito extrajudicial como no âmbito judicial.
Desta feita, para os fins deste trabalho, não se faz necessário estabelecer uma diferenciação pormenorizada entre mediação extrajudicial ou judicial, de modo que um conhecimento geral do instituto da mediação, com seus princípios e características, servirá como base para a
O novo Código de Processo Civil serve para exemplificar a preocupação do legislador em incluir no bojo do ordenamento jurídico disposições referentes às práticas autocompositivas. Tal preocupação reside nas práticas autocompositivas proporcionarem às partes uma forma mais célere e adequada de resolver seus conflitos, além de estimulá-las na participação de assuntos pertinentes à vida em sociedade. Assim, o ordenamento passa a contar com mais um instrumento de concretização do acesso à justiça.
Este trabalho busca uma aproximação entre a mediação e o acesso à justiça, investigando se a mediação seria um instrumento de se efetivar esse acesso e se encontra guarida dentro de um ordenamento.
Para isto, a primeira parte é dedicada a traçar algumas considerações sobre o ordenamento jurídico e sua relação com o acesso à justiça. Nessas considerações é possível perceber que o acesso à justiça se insere como um dos direitos do homem dentro de um ordenamento jurídico e que ao longo dos tempos surgiram três movimentos, ou ondas, distintas, buscando tornar este acesso efetivo.
Na última parte é possível perceber a aproximação existente entre o instituto da mediação e o acesso à justiça, de modo que aquela poderia ser uma importante ferramenta no enfrentamento da crise existente no âmbito do Poder Judiciário e como garantia de acesso efetivo à justiça.
Utilizou-se como método de pesquisa o indutivo e como técnicas de pesquisas a pesquisa bibliográfica e o fichamento.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ORDENAMENTO JURÍDICO E O ACESSO À JUSTIÇA
Definir o que vem a ser o acesso à justiça é uma tarefa hercúlea. Em razão das diferentes e complexas perspectivas que assume, o acesso à justiça pode ser conceituado de diversas formas. Sendo assim, para melhor compreender seu significado dentro da perspectiva pautada neste trabalho, pode-se tomar em consideração que o acesso à justiça presta para determinar duas finalidades do sistema jurídico, a saber, ser igualmente acessível a todos os que procuram e produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.[3]
Esse sistema jurídico, ou, como propõe Bobbio, ordenamento jurídico, não toma como ponto de partida somente a norma, baseada em si mesma, mas sim a complexa organização que irá determinar a natureza e a entidade das sanções, os indivíduos que devem exercê-las, bem como a sua execução. Essa complexa organização tem como produto o ordenamento jurídico.[4]Assumir que um direito que se enquadra no rol de direitos do homem, tal qual o acesso à justiça, é estranho ao ordenamento jurídico, é um equívoco. A complexa organização que dá origem ao ordenamento jurídico não deve ser vista apenas sob o prisma da norma, mas sim como um sistema, onde não é permitida a existência de normas incompatíveis entre si, sendo que uma ou outra, ou ambas, devem ser eliminadas do ordenamento caso sejam incompatíveis.
O fenômeno do acesso à justiça por vias alternativas não é contrário ou incompatível com o ordenamento jurídico, com a unicidade do direito, dentro de sua dimensão de ordenamento jurídico, ou com o poder atribuído ao Estado. Na verdade, este fenômeno revela-se como uma complementação, pois é a expressão do “pluralismo da esfera pública fundante da própria ordem constitucional do Estado”.[5]
O acesso à justiça está inserido como um direito fundamental nas constituições político-jurídicas dos Estados Democráticos de Direito.[6]Esse enquadramento do acesso à justiça como um direito fundamental do homem se dá em razão do sistema jurídico ser um sistema aberto, aberto no sentido de “que é incompleto, evolui e se modifica”.[7]
Os direitos do homem estão umbilicalmente ligados a dois problemas centrais de nosso tempo: a democracia e a paz. Sem o reconhecimento e a proteção efetiva dos direitos do homem não há possibilidade de democracia, sem democracia restam infrutíferas as tentativas e condições de resolução pacifica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, grupos e os Estados. Um ideal de paz perpétua somente poderá ser perseguido por meio de uma democratização progressiva do sistema internacional, sendo que está democratização não poderá estar separada da gradual e efetiva proteção dos direitos do homem acima de cada um dos Estados.[8]
A primeira onda foi a assistência judiciária, seguida de reformas tendentes a proporcionar representação judiciária para os interesses considerados difusos, que se constitui na segunda onda. A terceira onda é o enfoque de acesso à justiça, que recebe esse nome em razão de abarcar os posicionamentos anteriores erepresentar uma tentativa de ataque às barreiras ao acesso de um modo mais articulado e compreensivo.[9]
Como observado, desde o século passado, há uma sequência crescente de movimentos universais, ou ondas, para que o acesso à justiça seja proporcionado de uma maneira efetiva, não visando apenas a correção do processo judicial, mas sim à lealdade para com seus fundamentos democráticos.[10]Tais movimentos não podem ficar restritos ao campo histórico, devem ser buscados diuturnamente pela sociedade e pelo Direito. “A justiça é coisa séria”[11], e é daí a necessidade de se tratar o tema com a devida importância.
Hodiernamente, surge um novo movimento com a finalidade de possibilitar maior efetividade ao acesso à justiça. Neste movimento, está englobada, entre outras matérias, a adoção e difusão de institutos como a mediação e a conciliação, seja no âmbito judicial ou extrajudicial, para que a sociedade civil passe a ser protagonista da solução de controvérsias. Para isso poderá contar com núcleos comunitários (que são facilmente encontrados em universidades) e instituições administradoras de mediação.[12]
Institutos como a mediação, conciliação, entre outros, tradicionalmente denominados de ADRs (Alternative Dispute Resolutions), também conhecidos como MASCS (Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias), tornaram possível acessar à justiça por formas alternativas, no que se denomina de um sistema multiportas.[13] A justiça não alcançada somente por meio de uma porta (Judiciário) mas por diversos outros meios.
Sob essa análise, é possível perceber a mediação como uma ferramenta que possibilite o efetivo acesso à justiça. Mas, antes de analisar a mediação sob esse novo prisma, é salutar, ainda que de modo breve, tecer considerações sobre o instituto da mediação enquanto forma alternativa de resolução de conflitos.
2 PROCESSO JURISDICIONAL E AS VIAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Os seres humanos estão inseridos dentro de uma sociedade. São, por natureza, animais políticos, devendo viver em sociedade, de modo que aquele que não o faz é um ser vil ou então superior ao homem.[14]A partir do momento em que seres humanos de diferentes nacionalidades, culturas, idiomas, crenças e etc., passam a coexistir em um território previamente delimitado, conflitos acabam por surgir.
A razão desses conflitos está na diversidade de opiniões existente entre os seres humanos, de modo que nenhum homem conduz seus pensamentos por uma mesma via e considera exatamente as mesmas coisas que outro.[15] Como lidar com essa diversidade de opiniões e buscar uma solução adequada para os conflitos oriundos dessa diversidade? A resposta para tal indagação reside no Direito. Em seu sentido habitual, o Direito é um “mecanismo tendente à regulação dos conflitos”[16]composto por um conjunto de normas voltadas à aplicação da justiça.[17]
A finalidade do Direitoé assegurar o equilíbrio, a harmonia e a paz social[18]. Para isto deve ser incentivada a criação e ampliação de mecanismos quevisem alcançar tal finalidade. Durante um longo período, a forma pela qual a sociedade civilizada encontrou de alcançar o equilíbrio e a paz social estava consubstanciada no processo jurisdicional, sendo as formas autocompositivas instrumentos próprios de uma sociedade primitiva e tribal. Hodiernamente, as vias alternativas ao processo ressurgem como ferramentas capazes de evitar ou encurtar o processo jurisdicional.[19] Esse ressurgimento é destacado no recente movimento de efetivação do acesso à justiça.
Está na cultura nacional depositar os conflitos nas mãos de um terceiro (“juiz”), de um órgão (Poder Judiciário), e comodamente aguardar o pronunciamento.[20] Apesar de ser parte no conflito e ser diretamente afetado pelo resultado, o autor/réu não se empenha em agir de modo a solucionar o conflito, pelo contrário, prefere que outro assuma as rédeas e o solucione, esquecendo-se que o conflito não irá prejudicar apenas a outra parte ou a si próprio, mas sim toda a sociedade. A população prefereo pronunciamento judicial, pela via heterocompositiva, sem muitas vezes ter consequência de sua repercussão dentro da sociedade.
Não são raras às vezes em que as técnicas adversariais e heterocompositivas, amplamente utilizadas pelos órgãos de jurisdição, acabem em obstáculos ao acesso á justiça, o que causa grande descontentamento da sociedade em relação às demandas submetidas à apreciação do Poder Judiciário. A principal fonte desse descontentamento reside na morosidade e na ineficácia da prestação jurisdicional. A sociedade anseia por justiça e tem tomado consciência de que “justiça tardia é justiça desmoralizada.”.[21]
O apego da população pela via jurisdicional contribui significativamente para a avalanche de demandas atualmente presentes nos fóruns. Entre os elementos causantes da demora na prestação jurisdicional está a incompatibilidade da legislação processual, ou até mesmo a sua falta, frente a assustadora avalanche de demandas ou conflitos relacionados a negócios econômicos, fisco, previdência social, meio ambiente, família, infância, juventude, pobreza e criminalidade.[22]
No que se refere a incompatibilidade da legislação processual, esta se torna nítida quando se constata que a utilização de sistemas informatizados não é tão difundida entre os Tribunais. Enquanto contratos internacionais são celebrados por dispositivos eletrônicos conectados a rede mundial de computadores[23] com segurança e eficácia, órgãos do Poder Judiciário e demais operadores do Direito insistem em enxergar o processo com as mesmas características enxergadas antanho[24].
Para ilustrar o que foi desenvolvido até aqui, tome-se como exemplo o caso de uma senhora que, descontente por seu vizinho estar depositando sacolas de lixo doméstico em seu terreno, ingressa com uma demanda judicial a fim de que o vizinho cesse tal ato. Para esse objetivo deverá, primeiramente, procurar um advogado, o que implicará em gastos com o advogado e custas judiciais. O advogado protocola a petição e o vizinho é citado. Quando percebe que a citação refere-se à senhora que mora ao lado vai imediatamente buscar uma satisfação. A senhora e seu vizinho discutem de uma forma ríspida. No meio da discussão o jovem filho dessa senhora chega em casa do trabalho e percebe que alguém está discutindo com sua mãe. No calor do momento, o jovem desfere um golpe contra o vizinho. A mulher do vizinho atingido percebe a algazarra e se desloca até local para defender seu marido ao passo que a senhora busca controlar e acalmar seu filho.
Assim o simples fato de despejar o lixo em um local inapropriado gerou um grande mal à sociedade.[25]Essa concatenação de eventos conflituosos é comumente denominada de espirais de conflito. Nestes eventos, as causas originárias do conflito se tornaram secundárias, pois os agentes são compelidos a responder a ação que antecedeu a sua, e assim sucessivamente.[26] O escalonamento de conflitos torna-se uma doença dentro de uma complexa e dinâmica sociedade. Por isso, assim como os médicos tratam das doenças do corpo, os advogados e demais operadores do Direito precisam tratar das doenças sociais.[27]
Para tratar dessa doença não basta apenas uma abordagem que leva em consideração o acesso aos órgãos judiciais, como costumeiramente ocorre. O tratamento envolve a busca constante pelo acesso à uma ordem jurídica justa, não simplesmente possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal.[28] O acesso à justiça é comumente confundido com o acesso ao Judiciário, quando, na verdade, o significado de acesso à justiça é mais amplo do que o acesso ao Judiciário.[29]
Aqui, a própria definição do que se entende por juiz sugere certo desconforto. Levando-se em consideração a totalidade do ordenamento jurídico, ao juiz é atribuído o poder e o dever de estabelecer quem está dotado de razão e quem não dela está desprovido. Estabelecido isto, torna-se possível à aplicação de uma sanção para aquele que está desprovido de razão.[30]
Caso a pretensão tenha previsão no ordenamento, deverá ser julgada correta. O problema é que não há uma única resposta correta (verdadeira) para todos os casos existentes[31]. Diante desse cenário não muito agradável de insegurança, há uma solução? Essas complicações e crises no âmbito judicial certamente são fatores que contribuem para o renascimento das vias conciliativas[32], tais como a mediação.
A mediação consiste, basicamente, em um método de resolução de conflitos onde um terceiro independente e imparcial denominado mediador, coordena uma ou mais reuniões, conjuntas ou separadas, com as partes envolvidas em uma relação conflituosa. Um dos objetivos é estimular o diálogo cooperativo entre as partes para que juntas consigam encontrar a solução para as controvérsias em que estão envoltas. Por meio desse método tenta-se proporcionar momentos de criatividade às partes, para que estas possam analisar qual seria a melhor decisão em face de suaatual relação (geradora da controvérsia).[33]
A mediação oferece as ferramentas para que as próprias partes possam resolver o conflito, o que gera uma quantidade significativa de benefícios tanto às partes como á sociedade. Entre esses benefícios podem ser citados a celeridade e a simplicidade de procedimento (pautado na informalidade e na oralidade), a política que restaura a convivência social, sua dimensão enquanto instrumento pedagógico[34], que contribui para o crescimento pessoal das partes (que aprendem a lidar com seus conflitos de forma adequada, buscando o diálogo), a função social que exerce[35], entre outros. Além dos benefícios jácitados, a mediação seria uma forma alternativa de se efetivar o acesso à justiça, conforme se demonstrará a seguir.
3 MEDIAÇÃO COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA
Por ser um direito básico do homem, o acesso à justiça é de indelével importância para que se estabeleça a democracia e a paz em uma sociedade que constantemente possui conflitos de interesses. Dados os princípios e características da mediação, é possível perceber que sua construção estabelece uma visão axiológica da justiça, onde esta é uma ordem de valores e direitos fundamentais dos seres humanos.[36]O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem é um requisito essencial de qualquer Constituição dita democrática.[37]
Em um primeiro momento, as vias alternativas eram utilizadas somente nos casos em que eram partes na disputa indivíduos que iriam relacionar-se no futuro, como no exemplo dos vizinhos, onde a extinção do conflito deveria ser de forma a priorizar a manutenção das relações de convivência futuras. Todavia, tomando-se em conta a crise experimentada pelo Poder Judiciário, o acesso à justiça volta‑se a resolver disputas afastando‑se das fórmulas exclusivamente positivadas[38] e incorpora métodos interdisciplinares com a finalidade de atender não apenas os interesses juridicamente tutelados, mas outros que auxiliem a pacificação social.[39]Essa abordagem permite que o acesso á justiça seja alcançado por meio de práticas tais como a mediação.
O entendimento de que o acesso á justiça não se dá somente por meio da prestação jurisdicional foi adotado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando este se posicionou de maneira favorável a utilização de mecanismos de solução alternativa de controvérsias para dar efetividade ao direito constitucional de acesso a justiça, buscando alcançar a ordem jurídica justa, de modo que o acesso à justiça é abordado em seu aspecto formal e material. Tal posicionamento está refletido na Resolução Nº 125, de 29 de novembro de 2010, por meio da qual o mencionado Conselho instituiu uma “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”.[40]
A mediação conta com a participação constante das partes em razão do seu procedimento estar fundado no diálogo, na comunicação. Assim, para resolver o conflito é necessário que as partes envolvidas dialoguem na busca de uma solução que seja razoável a ambas. O papel do mediador é de facilitar esse diálogo, auxiliar que as partes, por elas mesmas, consigam encontram uma solução adequada ao conflito existente, e não determinar quem possui razão e quem está dela desprovido, como na forma tradicional. Não há vencedor e vencido, os dois lados são vencedores pois conseguiram dar fim ao conflito.
Essa característica do procedimento da mediação também revela outra importante contribuição, a capacitação e crescimentopessoal das partes, tirando-os da posição de reféns do procedimento jurisdicional para que possam assumir uma participação ativa na resolução dos conflitos. Essa capacitação irá acompanha-las em situações futuras, onde já estarão mais preparadas a lidar com o conflito, de modo que não precisarão do auxílio do judiciário para dar fim ao desentendimento.
A transformação das pessoas decorre de sua formação. Essa formação é proporcionada pela mediação, que não se baseia em um tecnicismo distante da real situação das partes, mas busca compreendê-las e auxiliá-las, tornando-as aptas a lidar com adversidades. O Direito é ciência humana, não mera técnica, de modo que sua aplicação não pode ser desumana.[41]Esse tecnicismo rígido e autoritário, que avoluma autos e alimenta uma advocacia litigiosa, volta-se a explorar o conflito ao invés de sua transformação.[42] Não garante o acesso à justiça, garante tão somente o acesso ao judiciário.
Mecanismos mais simples como a mediação tendem a diminuir essa carga técnica e rígida do conflito, tornando a justiça mais próxima dos cidadãos, proporcionando maior participação popular nos assuntos a ela referentes. Ainda, torna a justiça célere, pois as próprias partes, em poucas sessões de curta duração, resolvem seus desentendimentos. Torna menos onerosa, pois não há necessidade de procuradores e custas processuais. Garante maior privacidade, pois as sessões são particulares, o que acarreta maior participação dos envolvidos, que se sentem à vontade para expressar seu pensamento e sentimentos.
Assim, com a mediação, é possível alcançar muito mais do que o interesse de um único indivíduo, é possível alcançar a pacificação social e a justiça. O acesso à justiça reveste-se de tamanha importância que somente por meio dela é garantida a participação do individuo nos bens e serviços de uma sociedade. Não há como o cidadão participar do convívio social quando lhe é retirado o direito a recorrer à justiça. Sem essa prerrogativa, todos os demais direitos são meras letras mortas, garantias apenas idealizadas, sem possibilidades de concretização.[43]
O cidadão que não participa do convívio social e não tem proporcionado o acesso à justiça fica refém do poder estatal para resolver conflitos. Para cessar tal estado de submissão é necessário muito mais que simplesmente levar demandas à apreciação jurisdicional, é necessário atender e incluir estes indivíduos que estão à margem do sistema, é necessário o acesso à justiça.[44]
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Definir com precisão o que é o acesso à justiça e o que este acesso engloba é uma tarefa árdua. Mas mesmo com esta dificuldade, é possível perceber que o acesso á justiça se insere em um ordenamento jurídico com um status de direito do homem. Por enquadrar-se no ordenamento como um direito do homem, o acesso à justiça precisa ser efetivo. Ao longo do tempo, três movimentos ou ondas se destacaram na tentativa de tornar concreta essa efetivação.
Tais movimentos exerceram um papel fundamental para que o acesso à justiça pudesse ser ampliado e alcançado. Com o passar dos anos a sociedade experimentou um salto de desenvolvimento científico e tecnológico, de modo que relações de maior complexidade passaram a existir. Para resolver estas relações de maior complexidade o modelo tradicional de acessarà justiça não é adequado. Às partes almejam celeridade e efetividade, características que atualmente estão ausentes do modelo tradicional.
Tendo em vista que o Direito atua como instrumento de mudança social[45], um novo movimento de acesso à justiça surgiu, tendo como um dos pilares a utilização e desenvolvimento de institutos alternativos à resolução de conflitos, tais como a mediação e a conciliação, tanto em âmbito judicial e extrajudicial. A mediação também é uma forma de acesso à justiça e garante às partes a solução do conflito com celeridade, por meio sua participação no procedimento de solução.
Mesmo com tais características, a preferência dos indivíduos é a solução dos conflitos por meio de uma sentença judicial, onde a decisão do magistrado irá beneficiar apenas uma parte, com todo o formalismo, custo e morosidade deste meio.
Por isso é preciso ter cautela e não confundir o acesso á justiça com o acesso ao Poder Jucidiário. Como ficou evidenciado, o acesso à justiça é amplo, não sendo encontrado somente no âmbito judiciário.
O acesso à justiça por meio da mediação é uma interessante alternativa à prestação jurisdicional. Seu foco está no reestabelecimento das relações e convívio social. Outrossim, não há custas judiciais às partes, e por ser facultativa a participação do advogado, não há gastos com honorários advocatícios.
Pela mediação os indivíduos deixam de ser reféns do Estado e passam a assumir uma postura ativa na resolução dos conflitos. Essa postura ativa gera uma capacitação pessoal dos indivíduos no que se refere à discussão de problemas, técnicas de fala e escuta, diálogo para compreender o outro lado e encontrar soluções alternativas e benéficas ao problema. Dadas às características e princípios do instituto da mediação, é possível estabelecer que esta é apta a garantir o direito fundamental de acesso à justiça.
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